"Fazer a floresta valer mais em pé do que
derrubada" - o lema move a Bolsa Floresta, uma pioneira experiência de
desenvolvimento sustentável no Amazonas. Nela se mostra que a conservação
ambiental deve servir às pessoas, ajudando, e não atrapalhando, a promoção
humana. Programa exemplar.
A Pousada do Garrido, administrada por sua esposa,
Nádia, recebeu cerca de cem turistas em 2012, a maioria de estrangeiros. Ligado
na internet, o rústico hotelzinho oferece diária completa por R$ 60, incluídos
no pacote turístico três refeições, trilha pela mata, passeio de barco e muita
conversa mole recheada com "causos" sobre os botos-cor-de-rosa e a
curupira, divindade maior da floresta. Encanta qualquer citadino.
Comandado pela Fundação Amazonas Sustentável
(FAS), organização não governamental criada em 2007, ele conta com o endosso do
governo estadual e o apoio financeiro de grandes empresas. Sua área de atuação
foca as comunidades tradicionais que vivem dentro das reservas de
desenvolvimento sustentável (RDSs), unidades de conservação idealizadas pelo
biólogo amazônida Márcio Ayres, posteriormente incluídas na legislação
ambiental brasileira. Grande ideia.
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Foto Bolsa Floresta/Governo Amazonas |
As RDSs configuram-se como locais de natureza protegida, mas,
ao contrário dos parques e reservas florestais, que se pretendem intactos,
nelas se pode manter atividade humana produtiva. As áreas são escolhidas em
função de sua valiosa biodiversidade, ou da fragilidade de seu belo ecossistema.
Nas RDSs não há necessidade de desapropriação ou remoção dos ocupantes
históricos. A regra principal é condicionar a exploração do território às
regras de sustentabilidade. Com ajuda financeira distribuída em quatro
componentes - renda, social, familiar e associação -, a Bolsa Floresta trabalha sob o conceito da
corresponsabilidade, procurando desenvolver o espírito empreendedor nas pessoas.
A ordem é inserir as populações locais nas cadeias produtivas florestais,
"empoderando" as comunidades. Cursos e oficinas pedagógicas promovem
o aprendizado profissional, direcionado para os negócios sustentáveis.
Atualmente o programa beneficia 8.090 famílias, distribuídas
em 15 regiões do Estado do Amazonas. Grupos comunitários e famílias
individuais, apoiados pela fundação, descobrem como produzir e preservar ao
mesmo tempo, buscando oportunidades na pesca e na piscicultura, no turismo
ecológico e de aventura, na exploração madeireira e no artesanato. Novas
tecnologias.
Quem me levou para conhecer alguns desses projetos foi o
engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente da FAS. Doutor em Biologia
da Evolução por Harvard (EUA), esse criativo pesquisador impulsiona na prática,
porque na teoria tudo é fácil, o conceito básico da economia verde: no abrigo
da floresta amazônica, gerar emprego e renda, para melhorar a qualidade de vida das comunidades
ribeirinhas. Dá gosto de ver.
A RDS do Rio Negro, criada em 2008, estende-se por três
municípios - Novo Airão, Iranduba e Manacapuru -, ocupando um território
protegido de 103 mil hectares. Em seu interior vivem 526 famílias, distribuídas
por 20 comunidades. Nelas se destaca a Tumbiras, que funciona como uma espécie
de polo empreendedor das demais. Lá, a 70 km de Manaus, estão instalados os
principais equipamentos públicos que funcionam como alicerce do Programa Bolsa
Floresta: salas de aula, módulo para o ensino a distância, alojamento dos
professores, computadores com internet, refeitório, marcenaria, horta
doméstica. Tudo bem arrumado.
Roberto, ex-madeireiro, líder da comunidade, aguardava-nos na
escadaria às margens do igarapé. Logo desatou a falar, orgulhoso, sobre o
recente progresso do seu chão, destacando o ensino das crianças, as novas
perspectivas para os jovens, a energia solar - que exigiu um acerto na
comunidade sobre o nível do consumo doméstico de eletricidade, resultando na
proibição, vejam só, do uso da "chapinha" de cabelo. Na saúde, tudo
mudou quando entraram em funcionamento as três ambulanchas - isso mesmo,
ambulanchas - que socorrem a saúde das pessoas naquelas estradas d'água.
Roberto destaca o valor do conhecimento, utilizando o seu
próprio caso: "Antes eu não sabia o que significava manejo florestal,
agora sei como cortar madeira sem destruir". Vai além. Defende a tese de
que sem alternativas para a ocupação das pessoas, sem botar dinheiro no bolso, de nada adianta a fiscalização
ambiental, muito menos o belo discurso preservacionista. Encerra a conversa
sobre o manejo sustentável da floresta com uma curiosa frase: "As pessoas
que moram na comunidade também são árvores". Lapidar.
Das 28 famílias que moram em Tumbiras, três acabaram de
regressar de Manaus. Fugiram da violência urbana, escaparam das drogas,
esqueceram o trânsito barulhento. Somente retornaram, porém, porque
vislumbraram oportunidades, ter ocupação e ganhar dinheiro no berço da sua
origem. Voltaram, também, porque agora podem assistir à televisão e ligar uma
geladeira. Mínimo conforto.
Ali perto, dona Raimunda, veterana da comunidade do Saracá,
tenciona dedicar-se à piscicultura, criando tambaquis e matrinchãs em
tanques-rede. Já o Nelson, da comunidade Santa Helena do Inglês, quer montar
uma pousada utilizando a moradia que o Incra teima em lhe construir após
finalizar a regularização fundiária do local. Inexiste alternativa: todo mundo
ganha casa nova, mesmo que não necessite. Incrível, até nas barrancas do Rio
Negro se joga fora o dinheiro da reforma agrária.
Virgílio Viana está convicto de que os antigos paradigmas,
ecológico ou militarista, sobre a Amazônia impedem seu desenvolvimento
sustentável. A Bolsa Floresta aponta para o futuro
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